Histórico Quilombolas

"Não é discutir o que foi, e sim discutir o que é e como essa autonomia foi sendo construída historicamente. (A. W. B. de Almeida)"

As lutas pelos territórios quilombolas trouxeram à luz a rediscussão do conceito de quilombo no Brasil instigando uma redefinição dos esquemas interpretativos que o localizavam, em primeiro lugar, no âmbito do passado. Nossas reflexões partem da premissa de que esse processo faz parte da formação social brasileira, considerando-se que os séculos de escravidão constituíram relações e as tornaram permanentes, o que implica ultrapassar explicações conceituais datadas. Podemos falar em ressurgência (um termo geográfico que indica o reaparecimento de ondas marinhas profundas que reaparecem frequentemente à superfície). Termo que se inspira também no inglês upwelling, teria o quilombo o significado de aflorar, chegar à superfície, ressurgir e tornar-se visível? Nesse sentido, a memória torna-se suporte fundamental para as resistências e às territorialidades, pois na história oficial, são outros (as) personagens e outras memórias que têm sido valorizadas como representativas de nossa sociedade.

No Brasil contemporâneo, as lutas territoriais quilombolas se acentuam no processo da modernização territorial, empreendida, principalmente, a partir dos governos militares, iniciados em 1964. Com base na ideologia desenvolvimentista, implantaram-se grandes projetos técnico-científicos, agropecuários, madeireiros, hidroelétricos e até ambientalistas que, sob a égide de estratégias geopolíticas, tiveram como tema ocupar espaços “vazios”. Na Amazônia, no Vale do Ribeira e em outros espaços brasileiros, como na Região Metropolitana de Sorocaba, não só migrantes, indígenas, camponeses e trabalhadores rurais foram impactados por uma história oficial invisibilizadora e pelo processo de territorialização capitalista. Nesse processo, também se revelaram formas de acesso à terra/território, cujas especificidades se assentam em ancestralidades, memórias, territorialidades e formas de uso comum oriundas da escravidão, como as terras quilombolas.

A urbanização veio a integrar o campo a partir da expansão do tecido urbano e da lógica do espaço como mercadoria buscando construir a totalização das relações sociais nessa mesma perspectiva. Territorialidades quilombolas têm sido afetadas com a violência no campo e na cidade, tendo ao centro, a questão da propriedade da terra e os interesses do setor público e privados pelos fundos territoriais.

A construção da diversidade da luta pela terra/território, pela cidadania no Brasil, estimula a pensar sobre as categorias identificando linhas de continuidade do projeto de país presentes no quadro de uma exclusão social histórica com implicações étnico-raciais. Nesse sentido, a própria categoria conceitual camponês não abrange todas as diferentes realidades que compõem a relação com a terra no campo, tampouco a marginalização urbana se apresenta somente como recorte de classe social, pois, em ambas realidades, construídas pela definição do acesso à propriedade e da forma como a modernização se realizou, no Brasil, se localizam linhas de exclusão étnico e racial.

Na perspectiva de Almeida , como processo histórico que trouxe aos indivíduos de um grupo a auto identificação de quilombos, significa pensar a questão da identidade como elemento central para a reafirmação da condição de ser e viver um lugar, nesse caso, um território.

A Constituinte de 1988, aprovando o Artigo 68 (ADCT) , reconheceu o direito dos territórios quilombolas, positivando um passado de luta, garantindo que esses grupos possam criar espaços políticos na sociedade brasileira. Essas conquistas somente se tornam possíveis através da materialização de sua história e cultura vinculadas ao território.

A luta por direitos territoriais deverá ser acompanhada pela proposição de ações que resultem em suportes materiais, territoriais, educacionais, culturais e à memória, dando reconhecimento amplo aos grupos e indivíduos demandantes de garantias da aplicação da legislação.

O Observatório é, nesse sentido, um instrumento para o acompanhamento, divulgação, afirmação e superação dos obstáculos espaciais, de políticas públicas, resistências sociais e das linguagem existentes entre atores, buscando constituir-se, também, uma ponte entre colaboradores e observadores da temática, de forma a consolidar uma rede solidária de informação e análise desse processo na região de Sorocaba, de seu entorno e no Brasil.